19 maio 2009

Guitarra & Lixo

Para matar saudades...



Parabéns, ficou muito bom! A gente vê-se em breve!

18 maio 2009

Agreste

Se é certo que o nosso trajecto estava destinado ao litoral do Brasil, isso não significa que o interior não nos atraísse. Pelo contrário. Mas, olhando para o mapa do país e sabendo a sua área, sempre achámos que é precisa uma dose muito maior de atrevimento para nele entrar. O litoral, por muito que tenhamos saltado uma ou outra praia, ou ignorado, voluntária ou involuntariamente, algumas areias, enseadas e ilhas, é um percurso traçado e fácil de definir. Grosso modo, é seguir o mais encostado possível ao mar. O interior, não. É um lampejo de sorte ou de circunstâncias. Entrar no interior da Bahia ou, mais profundo, em Minas Gerais? E porque não em Espírito Santo, ou noutra paisagem qualquer?

Mas dois meses e meio de praia foram, certamente, um incentivo para nos decidirmos. De Porto de Galinhas, em vez de previsivelmente continuarmos para Norte, inflectimos por instantes para o interior, em direcção ao Agreste. Não é longe, não se iludam. São uns meros 130 km de Recife, subindo a Serra das Russas e entrando na Zona da Mata, mas que mostra um Pernambuco muito diferente e genuíno.

A sorte, desta vez, fez-nos escolher a cidade de Caruaru, famosa pelo seu mercado diário de artesanato com dois hectares, entreposto das obras do Sertão antes de chegarem ao resto do país e do mundo. Aproveitar para conhecer uma fazenda era o ideal. E assim descobrimos, numa trivial pesquisa na net, o Hotel Fazenda do Engenho da Pedra do Rodeadouro. Lá chegámos, depois de uma pesquisa menos fácil pelas estradas e cidades que unem Bezerros a Bonito. Estrada de chão, esventrada pelas chuvas recentes, ermos em que é inacreditável como alguém lá vive, gado a pastar, boiadeiros a cavalo. No meio de um vale tão verde que parecia artificial, lá descobrimos a fazenda, aninhada aos pés de 700 m da imponência da pedra do Rodeadouro.

À nossa espera, café, caldo de cana, pão doce, bolo de macaxeira. E um conversador nato, sertanejo que mora e trabalha em Recife mas que encontrou aqui o sentido da sua vida. 79 hectares tem a fazenda, 40 cabeças de gado, 12 cavalos de montaria, área de cultura biológica, cachoeiras, piscinas desviadas do curso do rio, 12 chalés espartanos. Em apreciação está o pedido para que a fazenda seja considerada Reserva Particular de Património Nacional, por ainda manter 7 hectares de Mata Atlântica primária, sobreviva das plantações de cana-de-açúcar que desde há décadas dizimam o verde autóctone. E em projecto está também a recuperação do engenho, posto de lado pelo anterior proprietário.

Do inúmero pessoal da fazenda, sente-se a simpatia de pessoas simples, que nasceram e se criaram no Rodeadouro, cabras-machos e mulheres de labuta. Pessoas que definem a sua vida em 2 minutos, desde que nasceram até àquele dia, mas a quem o trabalho e a honra dizem muito. Do encarregado pelo hotel e pela plantação de inhame, ouvi o melhor resumo da dedicação com que trabalha todos os dias, das 5 à meia-noite, quando falou do patrão: “Ou eu vejo o enterro dele, ou ele vê o meu. Deus quem sabe.”

O cenário é esmagador. A pedra do rodeadouro não é filha única, compartilha as atracções com irmãs menores, mas igualmente imponentes, verdes e brilhantes, quando a pedra parece espremer água do seu interior e deixa a superfície molhada e deslizante. Valeu a pena abrir a porta às 6:00 da manhã e deparar com tão magna generosidade da natureza.

Conta a História que o seu sopé serviu de refúgio a um grupo de sebastianistas, no princípio do século XIX, movimento que fomentava a ignorância do povo e se aproveitava das carências da seca e da vida árdua do interior. Por pôr em causa Igreja e Estado, foi alvo de um dramático massacre em 1820. Ainda hoje se diz que uma caverna guarda os restos dessa chacina.

Testemunhas desses momentos, as encostas aliviam-se mais abaixo e convidam as vacas ao pasto: “De manhã, já acordam cedo e esperam a ordenha. Aí ,solta elas no pasto. Elas sai e costura a serra, de lado a lado. Aí, vão subindo. Quando fica de noite, elas já sabe e volta para casa. Aí, o cabra tuge elas e elas entra toda no curral.”

Houve direito a ordenha e a leite morno acabado de sair da teta, às primeiras horas de um bezerrinho, a passeio a cavalo, a banho de cachoeira, a passeio em pau-de-arara e na boleia do camião, a trilha pela montanha e pela mata, a pensão completa com comida caseira feita da produção própria.




Só não houve cantoria ao serão, para completar a ideia estereotipada que o nosso imaginário das novelas nos criou. Mas ouviu-se Luiz Gonzaga pirateado, o pai do Baião e do Forró e fiel cantador da realidade nordestina.

09 maio 2009

Alagoas


A paisagem de Alagoas continua a de Sergipe: o verde intenso da plantação de cana. Pelos vistos, são muitas as usinas que transformam a cana, em Alagoas. Além dos canaviais, dá muito coco. E é deslumbrante quando se junta a cor azul esverdeada das águas ao verde intenso de um coqueiral. Ao chegar a Barra de São Miguel, um mirante chamado do Gunga abre mais de 180 graus de água esmeralda, de um tapete imenso de coqueiros, do Rio São Miguel a entrar na barra. É absolutamente espantosa, a vista.

Um pouco adiante, a Praia do Francês será nossa pousada durante 3 dias, tempo para perceber que a praia tem boas ondas, mas a onda da praia não é das melhores. Um único restaurante/bar da praia tem boa música e abandona o cliché dos pratos de peixe e marisco. Mas fecha às 5 da tarde. A oferta na cidade, depois disso, resume-se a pizzas e pastas.

A praia do Gunga, naturalmente deslumbrante, também já foi corrompida pelas excursões, confusões e afins.

A expectativa que tínhamos criado em relação a Maragogi também saiu um pouco ao lado. A ideia de que as piscinas naturais formadas na maré baixa, a 3 km da costa, são as melhores do Brasil, pode até estar perto da verdade, mas a cidade, em si, espanta qualquer viajante menos desprevenido. Sempre pensei que fosse um centro turístico bem estruturado, mas isso não se confirmou. Aliás, a simpatia que temos encontrado até aqui foi um pouco esbatida neste lugar.

04 maio 2009

Sergipe e São Francisco

Os patrocinadores obrigaram a uma estadia mais prolongada em Aracaju do que a inicialmente prevista. Mas também foi interessante para conhecer um povo simpático, uma cidade tranquila e com uma orla bem frequentada (até mais de noite do que de dia), e um mercado popular que me tirou a barriga de misérias. Começo a ter medo do que vou encontrar daqui para a frente, nos mercados nordestinos de artesanato e afins… :-)

As praias urbanas estavam cheias de gente, apesar de poluídas e das inúmeras plataformas offshore de extracção de petróleo que se vêem da areia. Aliás, ao sair da cidade pela ponte que lembra a Vasco da Gama “em tamanho mirim”, viaja-se por uma área muito verdejante à superfície, mas que deve ser bem negra nas profundezas, a acreditar nas bombas de extracção que se vêem até Alagoas.

E foi esta a única divisa de Estados que não passámos por terra e que, por isso, falhámos a placa para fotografar. Decidimos abandonar a BR101 e atravessar o grande Rio São Francisco de balsa, até Penedo. Este é o maior rio navegável do Brasil, com mais de 2500 km, que atravessa 5 Estados e “vai bater no meio do mar”, abaixo de Piaçabuçu. Depois de visitar Penedo de raspão e de perceber que melhor praia nos esperaria, entrámos em Potengi - uma aldeia de pescadores sem acesso asfaltado e onde todos olham quando o carro passa - para ver o pôr-do-sol na foz do “Velho Chico”.

Em Pontal do Peba, a pousada era na praia, onde só conseguimos chegar porque a maré estava seca. Às 5 da manhã, o sol tirou-nos da cama para isto...

01 maio 2009

Bye-bye, Bahia


Custou deixar a Bahia. Cumprimos o mês que lhe tínhamos destinado, mas a sensação é de que foi curto. À medida que nos aproximamos da fronteira, parece que inventamos caminhos novos para demorar a saída. Inclusivamente, parece que procuramos algo que nos desiluda para não sair com tanta pena. Não foi bem o caso, mas a zona de Conde não foi suficientemente convincente para nos deter por lá. Bem sei que a época é baixa mas, assim mesmo, creio chegar à conclusão de que o que é bom já está relativamente bem explorado, no litoral brasileiro. Em lugares menos apelativos, a infra-estrutura que falta na época baixa não parece ser muito melhor na época alta. Só deve ser mais cara, deve ter mais gente e nem por isso deve oferecer mais.

A natureza é ilimitadamente profícua, o criador deixou em todo o lado um inegável legado. Mas nem sempre isso basta, especialmente naqueles casos em que a mão da criatura já lá chegou, sem preocupações que não sejam as trivialidades de um merecido tecto ou, em gerações mais novas ou com um pouco mais de renda, de uma bagageira preenchida com colunas (que é como quem diz, umas colunas com um carro à volta) para ouvir e obrigar a ouvir os axés, bregas e funks mais insuportáveis que alguém se lembrou de gravar. Não esquecendo, obviamente, os casos em que a criatura tem nome de cadeia hoteleira e cria os paraísos artificiais a que chama resorts, vedando praias e privatizando o mar.

E assim abandonámos o território baiano. Trazemos já muitas saudades, duas mãos cheias de gente boa, e a certeza de que a Bahia não é apenas um Estado, mas um estado de graça.