31 março 2009

Espírito Santo


No Sábado, cumprido que estava o dever maior de entrega do trabalho, fizemo-nos à estrada em direcção ao Espírito Santo. A ideia era atravessar esse Estado o mais depressa possível, para chegar à Bahia. Do pouco que eu conhecia do Espírito Santo, não tinha formado grande ideia do litoral. E, efectivamente, esse dado confirmou-se. Há praias bonitas mas sem infra-estrutura apetecível. Não é que andemos sempre à procura de algo como Búzios, cheio de lojas fashion e de gente de férias, sarada e bronzeada. Mas convenhamos que não cativa muito ficar em cidades desertas, feias, ainda por cima brindadas com chuva.


Do que não estavamos à espera era da serra que se ergue ao lado da BR101. Com tão impressionante relevo, com os olhos cheios de verde, foi um ver-se-te-avias a disparar fotografias em todas as direcções. Não exagero se vos disser que lembra a Suíça. As diferenças rondarão o facto de os montes e vales não estarem cobertos de neve, mas pontilhados de bananeiras e pés de café. Lindo.

Outra agradável surpresa foi Victória, por onde só tinha passado à noite, a dormir num ônibus-leito. Tinha ideia de uma cidade feia, muito perigosa (goza a fama de mais perigosa do Brasil). Quanto à violência, não sei. Mas pela parte onde passámos, vimos uma capital bem exposta, cheia de pontes, com uma orla marítima semelhante ao calçadão de Copacabana, também abraçada pelos rochedos da serra. Quanto às estradas, o Espírito Santo está muito bem servido, com vias rápidas privadas excelentes e com a BR101 muito bem tratada.


Em duas etapas atravessámos o Estado e, não fosse a visita prometida ao Henrique ao Projecto Tamar de Itaúnas, para ver eclodir os ovos de tartaruga na praia, teríamos certamente dormido uma noite mais cedo na Bahia. E por falar em tartarugas, o Guia 4 rodas (a bíblia dos viajantes no Brasil) desta vez falhou. A indicação de que o centro do Projecto Tamar em Itaúnas está activo e que a desova decorre entre Janeiro e Março está errada. O centro de Itaúnas foi desactivado no ano passado e transferido para Guriri, mais a Sul; o ponto alto da abertura dos ovos de tartarugas é entre Dezembro e Fevereiro. Assim sendo, lá recuámos 40 km para visitar o parque de Guriri, e a única tartaruga bebé que vimos já tinha 48 dias. Mas valeu a pena porque o Curumim adorou e ainda deu de comer às bichas! Só não mergulhou nos tanques porque não o deixaram!...

Recapitulando...

Depois de mais alguns quilómetros cumpridos, e de outras tantas ideias traduzidas, volto a dar-vos conta do que por aqui passámos.

A saída do Rio foi tão serena quanto a entrada - do Rio continuo a guardar apenas imagens positivas, embora contrariando as notícias dos noticiários sensacionalistas. Dos canais que aqui se dedicam a transmitir em directo os tiroteios, os acidentes, as perseguições, os sequestros e afins, o que mais curtimos foi a cena de um camião da Skol (= uma das boas cervejas brasileiras) que foi roubado por um qualquer maduro, em São Paulo, mas que teve o azar de se espetar num poste duma avenida bem movimentada da grande cidade. Tristemente, foi apanhado, cheio de sede.
(Só um aparte: não sei se em Portugal, um país que tem praticamente a mesma população que a cidade do Rio, a questão da (in)segurança não anda tão presente quanto aqui...)

Do Rio, a ponte levou-nos até Niterói. Lá, fomos directos ao MAC, mais uma obra incontornável da arquitectura brasileira. Criado por Niemeyer há pouco mais de uma década, é um edifício que continua a ser identificado por todos quantos passam por ele, diariamente, como o "disco voador". Aliás, nem vale a pena perguntar "onde fica o Museu de Arte Contemporânea?", porque ninguém sabe a que nos referimos.
Mas, na verdade, chamar-lhe cálice, flor, cogumelo ou navio (como o Henrique), ou referir-lhe a função, é o espaço deixado à interpretação. O facto é que o vetusto senhor desenhou um objecto cuja inclinação se encosta, do outro lado da Baía de Guanabara, à mesma do Pão de Açúcar; e o plantou num espelho de água que se prolonga nas águas salgadas, logo abaixo; e que o elevou dum pequeno promontório, como que germinado. "A oportunidade", enfim, "de fazer uma boa arquitectura", nas palavras do mestre.

"Como é fácil explicar este projeto! Lembro quando fui ver o local. O mar, as montanhas do Rio, uma paisagem magnífica que eu devia preservar. E subi com o edifício, adotando a forma circular que, a meu ver, o espaço requeria. O estudo estava pronto, e uma rampa levando os visitantes ao museu completou o meu projeto."


Foi também oportunidade de revermos outro velho amigo brasileiro: o Zé Caranguejo, mais uma das personagens incontornáveis do Verão de 1993, da Marina de Vilamoura. Foi assim que acabei por partilhar o dia dos meus anos com o Zé Paulo, filho mais novo do Zé, num churrasco organizado pelo pai. Foi divertido e em família, e o Zé fez questão de se despedir ao piano, nas suas interpretações inesquecíveis de Chico Buarque.

E por falar em anos: o Pedro decidiu improvisar-me um ramo de flores e, nessa noite, quando eu já dormia, saiu à rua, no meio da mata da pousada, para colher alguma coisa digna. Como tenho este mau feitio e me lembro de acordar a meio da noite, olho para o lado da cama, no chão e - que vejo eu? Uma coisa que, de imediato, se assemelhava a uma prancha de surf! Pensei: "Entrou algum surfista distraído no nosso quarto e está por aí a dormir!" Quando foquei bem o olhar é que vi que o Pedro não tinha sido nada modesto e tinha feito um arranjo com flores e com uma folha de bananeira de alguns 2 metros! A todos os outros que me tentaram ligar, apanhar no skype ou me mandaram mensagens, um beijo de obrigada!

A nova semana começou em Búzios, no meu novo escritório que vocês já conhecem. É um lugar óptimo, com excelentes alternativas de praia e de fait-divers (embora eu me tenha dedicado quase exclusivamente aos fait-divers porque, à praia, só fui um dia!).


Mas as praias são lindas, a comida é óptima, o ambiente é descontraído - quando se ignoram alguns (nem todos!) argentinos que, pura e simplesmente, invadiram o pedaço como os ingleses fizeram há uns anos no Algarve, com a arrogância balofa do neocolonizadorzinho.

Da pousada onde vivemos essa semana, quase como únicos hóspedes, deram-nos a chave da casa, porque a recepção fechava às 10. E os pequenos-almoços, que eu tanto adoro, estão a saber ir ao encontro dos meus desejos: esta vida de hotel é tão boa que ainda me habituo...