Como o Corcovado e o Pão de Açúcar também fazem parte do Rio, lá fomos, cumprindo o programa mais esperado dos turistas. Foi pena o dia não ter estado mais limpo, se a ideia era usufruir das vistas...
E como a noite era a última no Rio, decidimos ir curtir um bom restaurante e um bom som. Ao que parece, a Lapa e o Centro antigo estão bastante mais seguros, agora, muito policiados e bem frequentados. Com essas garantias, lá levámos o Henrique para lugares onde as únicas crianças que se viam estavam precisamente do outro lado da noite, a vender chiclets, cigarros ou outra qualquer mercadoria que lhes coubesse nas mãos.
Fomos para a Rua do Lavradio, perependicular à Rua do Senado. Ao que me contaram, foi a primeira rua habitacional do Rio, com casas de cômodos, donde se expandiu a cidade. Hoje em dia, essas mesmas casas de finais do séc. XIX acomodam outros ritmos e são palco de shows diários de samba, chorinho, forró, etc.. A mais carismática das casas nocturnas dessa rua é, certamente, o Rio Scenarium - pavilhão cultural. Três pisos, dois palcos e centenas de mesas, um salão só para dançar forró às terças-feiras, dezenas de empregados bem parecidos e simpáticos, e muita história para contar em cada objecto exposto, do kitsch à Arte Nova. Os proprietários são também donos de um antiquário e recolhem peças da época, que alugam para filmagens. Daí o nome do espaço. As aulas de música a crianças desfavorecidas, teatro, cursos de recuperação de móveis antigos, etc. fazem também parte da responsabilidade cultural (e social) do local.Na pista de dança, verdadeiros cariocas deliram ao som dos sambas e dançam com parceiros ocasionais, que lá encontram para esse mesmo fim. Também já se vê muito turista a tentar sambar. Mas o ambiente, de tão genuíno, ofusca essas importações baratas.
A juntar a isto tudo, a coincidência de estar a actuar nesse palco o autor e compositor Agenor de Oliveira, amigo do Paulinho Lêmos, que conhecemos no Café Inglês, em Silves. E eu com o número de telefone do senhor na carteira!... Lá fomos trocar umas palavras com ele, no fim do show, e mandar um abraço do Paulinho.
E para terminar em beleza, deixo-vos o samba com que começou a nossa noite, num outro bar, e que nos fez logo pensar na Maria:
P'ra quê discutir com Madame?
Madame diz que a raça não melhora
Que a vida piora
Por causa do samba
Madame diz que o samba tem pecado
Que o samba é coitado
Devia acabar
Madame diz que o samba tem cachaça
Mistura de raça, mistura de dor
Madame diz que o samba é democrata
É música barata
Sem nenhum valor
Vamos acabar com o samba
Madame não gosta que ninguém sambe
Vive dizendo que o samba é vexame
P'ra quê discutir com Madame?
No carnaval que vem também com o povo
Meu bloco de morro vai cantar ópera
E na avenida, entre mil apertos,
Vocês vão ver gente cantando concerto
Madame tem um parafuso a menos
Só fala veneno
Meu Deus, que horror!
O samba brasileiro, democrata
Brasileiro na batata é que tem valor.
(Haroldo Barbosa e Janet de Almeida, 1956)


