21 março 2009

P´ra quê discutir com Madame?


Como o Corcovado e o Pão de Açúcar também fazem parte do Rio, lá fomos, cumprindo o programa mais esperado dos turistas. Foi pena o dia não ter estado mais limpo, se a ideia era usufruir das vistas...

E para usufruir das vistas, a ideia secreta era também saltar da Pedra da Gávea, de asa-delta. Malta, lamento desiludir-vos, mas não saltámos. Pela simples razão que já referi: o dia não estava nada de especial. Guardo, há anos, uma imagem espectacular do Rio visto desse salto, construída a partir de cenas vistas e imaginadas. É uma imagem estereotipada muito bonita, com banda sonora e tudo. Prefiro mantê-la assim e esperar por um dia claro.

E como a noite era a última no Rio, decidimos ir curtir um bom restaurante e um bom som. Ao que parece, a Lapa e o Centro antigo estão bastante mais seguros, agora, muito policiados e bem frequentados. Com essas garantias, lá levámos o Henrique para lugares onde as únicas crianças que se viam estavam precisamente do outro lado da noite, a vender chiclets, cigarros ou outra qualquer mercadoria que lhes coubesse nas mãos.

Fomos para a Rua do Lavradio, perependicular à Rua do Senado. Ao que me contaram, foi a primeira rua habitacional do Rio, com casas de cômodos, donde se expandiu a cidade. Hoje em dia, essas mesmas casas de finais do séc. XIX acomodam outros ritmos e são palco de shows diários de samba, chorinho, forró, etc.. A mais carismática das casas nocturnas dessa rua é, certamente, o Rio Scenarium - pavilhão cultural. Três pisos, dois palcos e centenas de mesas, um salão só para dançar forró às terças-feiras, dezenas de empregados bem parecidos e simpáticos, e muita história para contar em cada objecto exposto, do kitsch à Arte Nova. Os proprietários são também donos de um antiquário e recolhem peças da época, que alugam para filmagens. Daí o nome do espaço. As aulas de música a crianças desfavorecidas, teatro, cursos de recuperação de móveis antigos, etc. fazem também parte da responsabilidade cultural (e social) do local.
Na pista de dança, verdadeiros cariocas deliram ao som dos sambas e dançam com parceiros ocasionais, que lá encontram para esse mesmo fim. Também já se vê muito turista a tentar sambar. Mas o ambiente, de tão genuíno, ofusca essas importações baratas.
A juntar a isto tudo, a coincidência de estar a actuar nesse palco o autor e compositor Agenor de Oliveira, amigo do Paulinho Lêmos, que conhecemos no Café Inglês, em Silves. E eu com o número de telefone do senhor na carteira!... Lá fomos trocar umas palavras com ele, no fim do show, e mandar um abraço do Paulinho.

E para terminar em beleza, deixo-vos o samba com que começou a nossa noite, num outro bar, e que nos fez logo pensar na Maria:

P'ra quê discutir com Madame?

Madame diz que a raça não melhora
Que a vida piora
Por causa do samba
Madame diz que o samba tem pecado
Que o samba é coitado
Devia acabar
Madame diz que o samba tem cachaça
Mistura de raça, mistura de dor
Madame diz que o samba é democrata
É música barata
Sem nenhum valor

Vamos acabar com o samba
Madame não gosta que ninguém sambe
Vive dizendo que o samba é vexame
P'ra quê discutir com Madame?

No carnaval que vem também com o povo
Meu bloco de morro vai cantar ópera
E na avenida, entre mil apertos,
Vocês vão ver gente cantando concerto
Madame tem um parafuso a menos
Só fala veneno
Meu Deus, que horror!
O samba brasileiro, democrata
Brasileiro na batata é que tem valor.

(Haroldo Barbosa e Janet de Almeida, 1956)

Plágio das cartas do meu moinho



"Por favor, não façam barulho no ambiente!"

Esta é para os Goitacás e esta é para o Curumim, que já parece um índio ("Porque sou aventureiro / desde o meu primeiro passo / p'ro infinito!"). Andam lá fora, pela Mata Atlântica, a lutar pela vida e a dar alegria à gente. Minino, qui fotos bacana! Minina, qui prosa búnita!

Ao que os goitacás responderam:

"O Curumim, quando viu a imagem, perguntou, de olhos esbugalhados: "É um teatro?". E depois devorou o filme até ao fim, e quis ver os outros do sítio do picapau amarelo. Os outros Goitacás mandam-te um beijão e devolvem o filme! "

19 março 2009

Parabéns, Puto!

Antes de mais nada, três beijões de parabéns deste lado do charco, para o mano/tio/cunhado mais novo. Em tua honra, fizemos hoje o périplo (possível) da arquitectura do Rio - aquele que tu, com certeza, gostarias de fazer.

Começámos pela obra em que Niemeyer se estreou, sob a tutela de Corbusier: o Palácio Gustavo Capanema, o primeiro grande prédio modernista do mundo (1937-43). Lúcio Costa, Niemeyer e Affonso Reidy desenharam e executaram este edifício suspenso no exterior em colunas de 10 metros, mas que entram pelo prédio adentro e se prolongam até ao topo. Sede de serviços públicos, no centro do Rio, com azulejos de Cândido Portinari e jardins de Burle Marx.



A seguir, as ruas levaram-nos pela 7 de Setembro até à Luís de Camões, donde se entra para o Real Gabinete Portuguez de Leitura. Pelo menos 350 mil obras de literatura portuguesa ("mais velhas do que Cristo", segundo o Henrique), onde moram, entre outros, um exemplar da 1ª edição dos Lusíadas e outro dos sermões do Padre António Vieira. Aliás, está em especial destaque o IV centenário do nascimento do autor dos sermões aos peixes. A sala pública deste edifício manuelino tem 400 m2 e 23 m de altura, forrados de estantes e lombadas a toda a volta. Um vitral na sala principal garante a entrada de luz directa. Soberbo.


À volta, depois de muitos calores e caminhadas, acabámos no Aterro do Flamengo, no Museu de Arte Moderna, outra obra de Affonso Reidy, mais uma vez com paisagismo de Burle Marx. Desta vez, o edifício espalha-se na horizontal, suspenso em colunas em V, que desimpedem os ares e os olhares para a enseada da Glória. Do jardim, mais exótico e ecléctico do que o do Palácio, entre nenúfares, pedras, palmeiras e amendoeiras, entrevê-se o Pão de Açúcar e a Urca.



E assim se passou o dia do Pai - que hoje foi um Paizão, por carregar às cavalitas os 20 e poucos quilos de gente que, a cada 20 metros, dizia estar cansado...
E, se começámos a dar os parabéns ao aniversariante, terminamos a mandar um beijo aos pais! Aos nossos e a todos os que conhecemos que merecem esse epíteto!

Rua do Senado


A rua que viu Elza nascer é a do Senado, a mesma que Machado de Assis escolhera para a Missa do Galo. Vinícius ainda não tinha um ano, Niemeyer tinha 7.

Se a casa ainda existe, é difícil de saber. Mas foi compensador, num exercício que me fez recuar 100 anos, encontrar lojas dessa altura, como a Casa Valduga (desde 1875) ou casas de 1913, que ainda hoje preservam o aspecto que teria esta rua do centro do Rio, no auge da expansão urbana, comercial e imigrante. E imaginar todo o resto.

E o Rio de Janeiro continua lindo...

Confesso que foi a viagem mais calculada que fizemos, até aqui. O Rio impõe respeito, pela sua fama marginal. A Linha Vermelha, com as suas histórias de assaltos e tiroteios, foi facilmente evitada seguindo a Avenida Brasil. Entrámos na cidade melhor do que entraríamos na segunda circular, garanto-vos! Deu até para desconfiar...
Depois, foi só seguir a voz da nossa amiga do gps para darmos à primeira com o Copacabana Mar Hotel. Como a maioria dos edifícios nesta zona, data das décadas '60/'70. Piscina na cobertura, quartos espaçosos e concièrge. As modernices como o wi-fi foram entretanto introduzidas como cortesias indispensáveis. A localização, na rua atrás do Copacabana Palace, torna a zona segura e interessante. O calçadão, que se estende por alguns quilómetros e se prolonga, depois do Arpoador, por Ipanema e Leblon, é um convite às caminhadas ou, para quem preferir, a tomar um chope ou um suco em frente à praia.

Como prometido, levei o Pedro ao botequim onde eu e a Ivone, em 2002, passámos horas divertidas, a conversar com as pessoas. E aonde, numa outra tarde, levámos o Zé a um pagode de domingo, quando se junta a vizinhança, os passantes, os turistas e os habitués - entre eles o grande jogador da selecção brasileira, Júnior, a quem eu, sem querer, reguei os pés de cerveja, tudo para tirar uma fotografia! :-) As cenas que a gente faz!

À volta, pela Rua de Nossa Senhora de Copacabana, entrámos num sebo (= alfarrabista) onde encontrei um livro de poesia para o Franco (amigo, o título é a tua cara!) e onde descobri um outro muito útil, descritivo da história das ruas do Rio. O Henrique sentou-se a um canto, a folhear os gibis (= bd), e acabou por comprar um do Capitão América chamado "O mundo é das mulheres"...

E a caminho do Rio foram cumpridos os primeiros 1000 quilómetros de viagem...

17 março 2009

Paraty & Angra dos Reis

Deixámos o Estado de São Paulo e entrámos no do Rio. A diferença na condição das estradas é notório. Merecem aqui registo os trabalhos de manutenção constantes que vimos ao longo das estradas do Estado de São Paulo. Foram muitos os trabalhadores (armados de utensílios, entre eles catanas!), que vimos ao longo de centenas de quilómetros, a limpar as bermas, a arranjar o piso, a colocar sinais. E principalmente a combater a Mata Atlântica que invade as estradas. Passámos por zonas com autênticas paredes verticais de vegetação, contornámos centenas de curvas da serra, e tentámos olhar mais para a direita do que para a esquerda, porque, infelizmente, o urbanismo é um conceito reiteradamente ignorado nas cidades brasileiras. Vilarejos ou mesmo cidades maiores, que se vêem ao longo das estradas principais, crescem desordenadas e feias. Muitas dessas casas são apenas em tijolo, com a indispensável parabólica a fazer-lhe sombra. Ruas sem esgotos, onde as crianças brincam com galos e cães, sem passeios e sem alfalto. Como pano de fundo, o verde da Mata.

Na verdade, gostaríamos de ter visitado mais praias de São Paulo, porque não faltam enseadas convidativas. Por outro lado, apesar de o tempo estar quente e abafado, o céu está encoberto e parece que nos empurra para outras marés. Ao passar em frente à Ilha Bela, um dos destinos que tínhamos pensado visitar, não sentimos muita pena por não fazer a travessia até lá. Esperemos que, para a próxima, a cor do céu não se confunda com a do mar...
Além disso, quisemos honrar o combinado e, dia 11, seguimos para Paraty para encontrar a Ivone, a Sandra Fontes, o Miguel e a Sandra Farrajota. Sem marcar hora nem lugar certos, lá nos encontrámos numa das ruas empedradas do centro histórico! Como era de esperar, a boa disposição reinou durante esses dias...

Paraty é linda, com uma arquitectura cuidada e muita influência maçónica, pelo menos na iconografia usada na decoração das fachadas. Com a "engenharia portuguesa" que ainda hoje caracteriza as suas ruas (pedras redondas encostadas umas às outras, chamadas "pé de moleque"), sempre que a maré sobe, as ruas enchem de água; quando desce, lava as ruas. O pior são os trambolhões a que se está sujeito, porque não é fácil caminhar sobre tão irregular pavimento. E com o medo de pôr um pé em falso, quase não se tiram os olhos das pedras para contemplar o resto.

Pelo que me contaram (sim, porque fiquei a trabalhar!), as trilhas e as piscinas da praia da Trindade merecem uma visita prolongada. No dia seguinte, o passeio de barco, a contornar as ilhas e as praias de Paraty também é um programa indispensável. Alugámos um barco pequeno (onde o Henrique começou o seu estágio de marinheiro, ao leme), e fomos parando onde nos apeteceu, para comer e dar um mergulho. Apesar de a maré baixa nos ter preparado um "quase-encalhanço" à saída do porto, do desarranjo intestinal de um dos elementos :-) e da carga de água à chegada, correu tudo super bem! Ao fim da tarde, a chuva empurrou-nos para uma cachaçaria típica, onde o Rodrigo nos aturou algumas horas. Nada como estes momentos espontâneos!
Paulinho, fartei-me de me lembrar de ti e da nossa visita a Paraty!

Com o regresso dos "turistas" a Portugal, arrancámos em direcção a Angra dos Reis. A cidade, como tive oportunidade de ver da outra vez, é uma desilusão pura! As ilhas, depois de um outro passeio de escuna, ontem, são realmente mais atraentes, embora o dia não estivesse do mais ensolarado. Segundo a conversa para impressionar turista, muitas ilhas pertencem a figuras como Ronaldo, Ivo Pitangui, o presidente da Fifa, do Flamengo, Airton Sena, etc. Verdade ou mentira, pelo menos, estão bem conservadas.
Instalámo-nos na pousada Mar de Angra, a seguir ao Colégio Naval, em frente ao mar da praia grande. Aqui estaremos até 4ª, dia em que o Rio de Janeiro nos espera.